domingo, 30 de novembro de 2014

Os olhos de Pachamama

Ah! Se Pachamama tem olhos
Estou segura que são esses
Parece que saltam da terra para espiar o rumo das coisas!

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

"O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos."

Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

"Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo". Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o principio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como ás outras. Para que viajar? Em Madrid, em Berlim, na Persia, na China, nos Polos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e gênero das minhas sensações?

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Livro do Desassossego - Bernardo Soares


terça-feira, 18 de novembro de 2014

Desabafo de uma viajante do Rio Tavares

Alvoroço
Ruído
Fonte foto: http://ndonline.com.br
Barulho
Confusão
Vozes e gritos
Buzinas
Músicas e batidas
Freadas e arrancadas
Postes e fios
Ruas sem calçadas
Raiva e pressa
Cartazes de políticos
Os mesmos políticos
As mesmas caras lavadas
Empurra-empurra
Sobe e desce
Sardinhas enlatadas
Ultrapassagens de risco
Obras inacabadas
Asfalto e sol
Água, só em garrafa
Desrespeito e ignorância
Inúmeras oficinas de carros
Inacabáveis lojas de móveis que te deixam cada vez mais imóveis
Mas quando a primavera floresce, a borda dessa loucura se vê emoldurada de um acolchoado amarelo
E nesse caso, a moldura que vale muito mais que o quadro, chama minha atenção, me alivia e me acalma
Que susto!
Uma borboleta atordoada me esbarra
Uma alma pára e me oferece carona
Entro no posto de gasolina, só para cortar caminho
Se tenho sorte e as serras e máquinas vizinhas já estiverem repousando sinto alívio de chegar em casa

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Retrato do artista quando coisa

Font foto: http://varal-educador.blogspot.com.br/2011/04/manoel-de-barros-sobre-sucata.html


A maior riqueza
do homem
é sua incompletude.
Nesse ponto
sou abastado.
Palavras que me aceitam
como sou
— eu não aceito.
Não aguento ser apenas
um sujeito que abre
portas, que puxa
válvulas, que olha o
relógio, que compra pão
às 6 da tarde, que vai
lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Eu penso
renovar o homem
usando borboletas.

Manoel de Barros